BRASÍLIA
E RECIFE — A promessa da presidente Dilma Rousseff de erradicar a miséria até
2014 continua de pé, mas o tamanho do desafio mudou — sem maiores explicações
por parte do governo. Quando lançou o programa Brasil sem Miséria, em junho de
2011, Dilma dizia que era preciso resgatar 16,2 milhões de brasileiros da
pobreza extrema. O número tinha origem no censo do IBGE, de 2010. Nas últimas
semanas, porém, ela tem afirmado que os programas sociais já retiraram da
miséria 19,5 milhões de pessoas nos últimos dois anos. Ou seja, 3,3 milhões a
mais do que o número informado por ela mesma.
Isso não
significa que a pobreza extrema tenha acabado: desde dezembro, Dilma passou a
dizer que ainda falta atender, pelo menos, outros 2,5 milhões de miseráveis. O
que elevaria para 22 milhões de pessoas o universo de extremamente pobres na
mira do governo, no atual mandato. Portanto, 5,8 milhões a mais do que os 16,2
milhões de miseráveis identificados pelo Censo de 2010.
De acordo
com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os números usados
por Dilma têm origem no Cadastro Único (CadÚnico), lista oficial da população
de baixa renda produzida pelas prefeituras, que são encarregadas de coletar os
dados. Diferentemente do IBGE, que obtém informações para fins estatísticos, o
CadÚnico é a porta de acesso ao Bolsa Família. Os dados do CadÚnico são
chamados de registros administrativos e devem ser atualizados a cada dois anos.
De novo, pelas 5,5 mil prefeituras.
O
ministério diz que o cadastro foi modernizado ao longo de 2011, e constitui
atualmente uma fonte mais apropriada para medir a “pobreza longitudinal” no
país. Assim, quando Dilma afirma que 19,5 milhões de pessoas saíram da miséria,
passando a viver com renda familiar per capita superior a R$ 70, está se
referindo aos registros do CadÚnico.
Segundo o
ministério, antes do lançamento do Brasil sem Miséria, em 2011, havia 22,1
milhões de extremamente pobres, conforme o CadÚnico. Na ocasião, porém, o
governo optou por utilizar os números do IBGE, que indicavam 16,2 milhões nessa
situação.
O
conceito de miséria adotado pelo governo é exclusivamente monetário: famílias
com renda por pessoa de até R$ 70 mensais são classificadas como extremamente
pobres. É o caso de Rosângela Maria das Neves, de 30 anos, moradora de uma
favela no bairro do Pina, em Recife. Analfabeta, com quatro filhos para criar,
ela nunca teve emprego formal, e seu último trabalho lhe rendia R$ 50 por
semana. Foi despedida desde que engravidou e agora, com um bebê de apenas oito
dias, só tem uma fonte de renda: os R$198 que recebe do Bolsa Família.
Sua vida
só não é pior porque não paga aluguel. Quando a mãe morreu, deixou uma casa de
dois cômodos para a filha. O chão é de terra batida, falta água encanada e
banheiro, mas antes do aterro a situação era pior.
— A cada
chuva, as panelas ficavam boiando ao redor da cama e a água batia na canela —
lembra.
Ela diz
que o dinheiro que recebe do governo mal dá para comer e que, muitas vezes,
recorre ao irmão, pescador, para alimentar a família.
Em meio à
dança de números, Dilma prometeu anteontem que o universo remanescente de 2,5
milhões de miseráveis deixará a pobreza extrema até março. Ela não explicou
como isso será feito. Para produzir tamanho resultado em menos de dois meses,
só há um caminho: criar uma nova modalidade de repasse do Bolsa Família ou de
seu congênere, o Brasil Carinhoso, que dá benefícios adicionais ao público do
Bolsa Família.
Ex-economista
sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Flávio
Comin, atualmente professor na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, diz
que os dados sobre miseráveis no Brasil são dissonantes: há divergência até
mesmo entre o Censo e a Pnad do IBGE. Ele critica o conceito de miséria adotado
pelo governo:
— Todas
essas estimativas compartilham o mesmo entendimento de que os pobres são
aqueles que sofrem de insuficiência de renda. Esquecem, assim, que pessoas que
estão acima da linha da pobreza oficial, mas que não dispõem de acesso à saúde
ou educação dignas, também deveriam ser considerados pobres — diz Comin, por
e-mail.
(colaborou
Letícia Lins)
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/a-miseria-dos-numeros-que-ninguem-entende-7502581#ixzz2K7kMeIWw
Nenhum comentário:
Postar um comentário