No mesmo dia
em que a dona de casa Maria Raimunda Gomes da Rosa, 37 anos, saía da emergência
do Hospital Metropolitano, em Ananindeua, outra dona de casa, que prefere não
ter a identidade revelada, chegava à unidade de emergência do hospital. Em
comum, ambas carregavam a dor de serem agredidas covardemente pelos
companheiros.
Maria
Raimunda teve o braço cortado e um dedo da mão decepado pelo marido, após uma
briga poucos metros de casa. A outra mulher, moradora do bairro Parque Verde,
em Belém, teve parte do rosto deformado depois de ser agredida com socos pelo
homem com quem vivia há quatro anos.
Dias antes,
em um clube localizado na rodovia BR-316, em Ananindeua, a dona de casa Mariana
Márcia Feio da Silva, foi espancada pelo companheiro com pedaços de pau e foi
ferida com um golpe na cabeça. Socorrida às pressas e encaminhada para um
hospital, ela foi submetida a uma cirurgia para a sutura do ferimento e
liberada no mesmo dia. Em depoimento à polícia, Mariana disse que a briga
começou porque o marido teria sentido ciúmes de um amigo do casal. “Tudo
começou porque ele me viu servindo um prato de comida para o nosso compadre. Na
mesma hora, ele me puxou para o banheiro do clube e começou a me espancar com
um pedaço de pau”, revelou.
Nos três
casos, ocorridos na primeira semana de janeiro, as vítimas registraram boletim
de ocorrência e agora fazem parte das estatísticas de denúncias sobre violência
doméstica contra a mulher. Um número, que segundo dados da Divisão
Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), vêm crescendo a cada dia. “A
violência doméstica é a campeã de ocorrências em todo o estado. Em 2011,
registramos 2.117 casos somente de mulheres que foram agredidas pelo
companheiro, fora ameaças e tentativas de homicídios. Ano passado, esse número
subiu para 2.142 ocorrências, registradas somente nas delegacias da mulher,
fora também outros casos que não são registrados e não chegam a nosso
conhecimento”, afirma a delegada Alessandra Jorge, diretora da Deam. Os números
totais dão uma média de 178,5 mulheres agredidas por mês no estado, sendo que
pelo menos 6 são vítimas todos os dias.
BEM MAIORES
BEM MAIORES
Segundo ela,
esses números podem ser muitos maiores, já que a falta de estrutura da polícia
muitas vezes acaba dificultando o acesso de mulheres à polícia. “Nós sabemos
das nossas dificuldades e o quanto muitas vezes a mulher deixa de fazer um BO
por se sentir inibida em uma delegacia comum. Mas nós temos trabalhado para
mudar essa realidade e a existência da Deam e de outras delegacias da mulher
espalhadas pelo interior do estado é a prova disso”, garante a delegada.
Pesquisa mostra que o inimigo dorme do outro lado da cama
Pesquisa mostra que o inimigo dorme do outro lado da cama
Um estudo
divulgado pelo Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense (MMNEPA) mostra que
63% dos casos de violência contra a mulher no estado ocorrem dentro da própria
casa. E o principal agressor é o marido ou companheiro da vítima. “A falta de
políticas públicas voltadas para a mulher, e que funcionem de fato, ainda é uma
dos principais fatores para que o número de violência doméstica continue alto.
Muitas mulheres agredidas pelos maridos não tem outra fonte de renda, não tem
qualificação, não se sentem seguras pelo governo para denunciar o companheiro e
por isso continuam vivendo em situações vulneráveis”, afirma Rita Teixeira,
coordenadora do MMNEPA.
A pesquisa
mostra ainda que as mulheres negras são as que mais sofrem violência doméstica
e o quanto a baixa escolaridade e a renda também influenciam nesse fator.
“Quando comparamos a proporção de mulheres que sofreram violência dentro de
cada categoria de cor ou raça, nota-se que o número de mulheres que sofreram
violência no grupo de mulheres negras é maior do que nos outros grupos de
pardas e brancas. Fora isso, sabemos que a renda influencia muito nesse
contexto.
Quanto maior
a renda da mulher, mas ela é independente financeiramente e menos vulnerável a
esse tipo de violência”, ressalta Rita.
Para a
coordenadora do Movimento de Mulheres do Nordeste Paraense, a falta de uma
estrutura capacitada de atendimento a mulher e a insegurança vivida pelas
vítimas após o registro das ocorrências são outros dois grandes impasses para o
estímulo a denúncia. “Reconhecemos que houve um avanço no atendimento a mulher
vítima de violência domestica, mas sabemos que ainda é pouco. Ainda existem
muitas delegacias em que a mulher é hostilizada e sente desencorajada a
denunciar por conta da falta de qualificação no atendimento. Fora isso, ainda
existe o fato da insegurança vivida por elas após a denúncia, o que é muito
forte”.
NA PELE
NA PELE
Insegurança
que a dona de casa do bairro do Parque Verde sentiu na pele. Mesmo após ter
registrado um boletim de ocorrência contra o companheiro e ter denunciado a
polícia sobre as ameaças que recebia do marido, ela ainda foi vítima de
agressão. “Eu denunciei ele porque eu não aguentava mais, mas em nenhum momento
eu me senti protegida pela polícia. Pelo contrário, tanto que várias vezes,
mesmo depois de eu ter denunciado ele entrava e saía de casa, me perseguia e
chegou ao cúmulo de invadir a casa e me agredir com socos até eu desmaiar e só
não me matou porque a filha interviu na agressão”, relatou a mulher.
Para a
diretora do Deam, casos como da moradora do bairro Parque Verde são a minoria.
Segundo ela, mesmo com uma série de dificuldades, a polícia procura priorizar
casos em que vítimas de violência doméstica sofrem ameaças de morte. Até o
fechamento desta edição, todos os casos mostrados na reportagem ainda
permaneciam sem solução. Dos três acusados de agredir suas companheiras, nenhum
está preso.
(Diário do
Pará)
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